Falando de Cinema
O Couraçado Potemkine, 1925
O que estamos à espera?
O Couraçado Potemkin,
de Sergei Eisenstein, foi encomendado pelas
autoridades soviéticas para comemorar o 20º
aniversário da Revolução de 1905, quando os
marinheiros russos se amotinaram contra os
seus comandantes navais e protestaram no
porto de Odessa (atualmente na Ucrânia). O
resultado foi um filme que revolucionou o
cinema. Noventa e nove anos depois, é raro que um
filme de ação não lhe deva alguma coisa.
As cenas iniciais são historicamente
exatas. Os cozinheiros não gostaram da carne
cheia de larvas, mas foram informados de que
estava própria para consumo. O porta-voz da
tripulação, o contramestre Grigory
Vakulinchuk (Aleksandr Antonov), apelou de
facto a um boicote e foi abatido. A
tripulação virou-se contra os seus oficiais
superiores antes de hastear uma bandeira
vermelha e navegar para Odessa, onde se
registavam distúrbios civis. E o corpo de
Vakulinchuk foi exposto, com uma nota: "Este
é o corpo de Vakulinchuk, morto pelo
comandante por ter dito a verdade".
No entanto, quando os marinheiros chegam a
Odessa, o filme de Eisenstein desvia-se para
a propaganda. Embora seja verdade que o czar
Nicolau II tomou medidas contra os cidadãos
grevistas de Odessa, isso não aconteceu nas
Escadas de Odessa. Atualmente conhecida como
Escadaria Potemkin, era apenas a Escadaria
Boulevard, ou Escadaria Gigante. O
realizador utilizou plenamente os 200
degraus para mostrar o avanço das tropas
czaristas. A celebração da multidão com os
marinheiros é interrompida por um cartão de
título que diz simplesmente: "E de repente".
As cenas de carnificina que se seguem não
perderam nada da sua força. Ninguém está a
salvo das tropas que avançam, filmadas de um
ângulo baixo e muitas vezes com um corte
apertado: para o realizador, apenas as suas
espingardas tinham de ser visíveis. Os
marinheiros revoltados ripostam com obuses,
antes de se fazerem ao mar, onde se juntam à
revolta de outros marinheiros.
Bronenosets Potemkin,
Sergei Eisenstein, 1925
Montagem e colisão
Como lição de
história, O Couraçado Potemkin tomou
liberdades, mas a exatidão dos factos nunca
foi uma preocupação de Eisenstein. Para ele,
era mais importante procurar uma nova
linguagem cinematográfica, o que fez
recorrendo às experiências de montagem
iniciadas pelo teórico do cinema soviético
Lev Kuleshov entre 1910 e 1920. Para
Kuleshov, o significado não está nos planos
individuais, mas na forma como a mente
humana os contextualiza: por exemplo, usando
a mesma imagem do rosto de um homem e
intercalando-a com uma tigela de sopa, um
caixão e uma mulher, Kuleshov podia evocar
imagens de fome, dor e desejo. A crença de
Eisenstein na montagem – embora preferisse
usar imagens em "colisão" umas com as outras
– pode ser demonstrada apenas pelas
estatísticas: com menos de 80 minutos, O
Couraçado Potemkin é composto por 1346
planos, quando a média dos filmes da época
era de cerca de 600.
Manipulação de emoções
A abordagem de
Eisenstein à narração de histórias ainda
hoje parece radical. A sua justaposição
entre o épico e o íntimo praticamente exclui
a possibilidade de nos envolvermos com as
personagens a um nível pessoal e, nesse
sentido, é de facto perfeitamente
“comunista”. Mesmo Vakulinchuk, o herói e
mártir da peça, é visto apenas como um
símbolo de humanidade a contrastar com as
tropas czaristas sem rosto. A cena mais
famosa – um bebé numa carruagem a cair pelos
degraus – é o símbolo ideal da manipulação
do filme sobre as nossas emoções indefesas.
Sergei
Eisenstein
Nascido em 1898 na
Letónia, Sergei
Eisenstein começou a
trabalhar como encenador
na companhia de teatro
Proletkult, em Moscovo,
em 1920. O seu interesse
pela teoria visual
conduziu à "Trilogia da
Revolução", composta por
“A Greve”, “O Couraçado
Potemkin” e “Outubro”.
Em 1930, foi convidado
para ir a Hollywood, mas
os seus projetos
estagnaram. De regresso
à União Soviética,
verificou que a maré
política se tinha virado
contra as suas ideias
"formalistas", para uma
narrativa mais
tradicional.
Morreu em 1948, deixando
oito filmes concluídos.