Falando de Cinema
Do Céu caiu uma Estrela, 1946
Ironicamente, o
lançamento do filme mais duradouro de Frank
Capra foi uma das suas maiores desilusões.
Apesar de ter sido amplamente elogiado pelos
seus pares, que apreciaram a arte do filme,
e de ter recebido cinco nomeações para os
Óscares e um Globo de Ouro para o
realizador, o filme foi um fracasso de
bilheteira. No entanto, com o passar dos
anos, a perceção popular do filme mudou e,
ao longo da sua vida, Capra viu-o tornar-se
num dos filmes mais amados de todos os
tempos. Atualmente, It's a Wonderful Life
(“Do Céu Caíu uma Estrela”) tornou-se um
favorito festivo que parece incorporar o
espírito natalício.
Na década de
1930, Capra era a voz de Hollywood.
Aperfeiçoou o género da comédia com
Aconteceu Numa Noite (1934),
protagonizado por Clark Gable e Claudette
Colbert, mas tornou-se mais conhecido pelos
filmes de em que o homem comum triunfa sobre
as corporações cínicas ou os políticos
corruptos – temas que tiveram grande eco
junto do público durante a Grande Depressão.
Um novo humor
Se tivesse sido
realizado 10 anos antes, It's a Wonderful
Life poderia ter sido mais um êxito para
Capra, mas em 1946 ele estava desfasado do
estado de espírito prevalecente nos EUA. A
Segunda Guerra Mundial tinha roubado aos
jovens da nação qualquer sentido de
inocência e o público já não tinha apetência
para o puro escapismo. Os filmes noir
estavam em ascensão, nos quais os detectives
moralmente ambíguos eram pouco melhores do
que os criminosos que perseguiam.
No
entanto, aos olhos atuais, It's a
Wonderful Life parece surpreendentemente
sombrio, sendo uma tentativa de suicídio a
premissa central de uma história em que um
homem descobre o verdadeiro valor da sua
própria vida. O golpe de mestre de Capra é
começar com uma série de orações
sussurradas, ouvidas por seres celestiais
que decidem intervir na vida de George
Bailey (James Stewart). Enviam um anjo, mas
o único disponível é Clarence Odbody (Henry
Travers) que, com a tenra idade de 200 anos,
ainda não ganhou as suas asas. À medida que
Clarence estuda a vida de George em
flashback, desde a infância até à idade
adulta, Capra traça o retrato de um leal
homem da cidade que sacrificou os seus
sonhos de viagem e carreira para seguir as
pisadas do pai, ajudando a comunidade local
e trabalhando num pequeno banco em Bedford
Falls, Nova Iorque. No processo, George
protege a comunidade do ganancioso diretor
do banco e senhorio de um bairro de lata,
Henry F. Potter (Lionel Barrymore).
It's a Wonderful Life trailer (trailer)
Frank Capra, 1946
Declínio chocante
A rápida transição de George de santo para bêbedo suicida é chocante e credível, talvez enraizada na luta do próprio Capra contra a depressão nos seus nte italiano, teve dificuldade em arranjar trabalho. Anos de auto-sacrifício e desilusão estão por detrás do colapso de George e, como retrato do desespero, a sua espiral descendente é absolutamente convincente. Embora o público contemporâneo possa ter sido desencorajado pela intervenção divina na história, o filme de Capra não era tanto sobre realismo mágico como sobre realismo trágico: o anjo só aparece na ponte no último quarto do filme. Outro realizador poderia ter-se concentrado mais no drama que leva George a querer acabar com a sua vida, mas Capra esconde-o de nós, não para que se torne um mistério, mas porque, quando o descobrimos, aumenta a compaixão de um homem que tenta fazer o que está certo.
À beira do abismo
Potter é o
vilão da peça. Quando George se apercebe de
que o seu tio Billy perdeu oito mil dólares
do dinheiro dos habitantes da cidade, vai
ter com Potter – o seu inimigo de sempre –
para negociar um empréstimo. George não tem
nada a não ser uma apólice de seguro de vida
para oferecer como garantia, e Potter zomba
dele: "Vales mais morto do que vivo". Neste
insulto carregado está um dos principais
princípios do filme: tal como uma vida pode
fazer toda a diferença, também a sua
ausência pode fazer.
Desesperado,
George dirige-se à ponte com portagem para
saltar para a morte. O momento mais famoso
do filme não ocupa muito do seu tempo de
duração, mas fica na memória pela sua
escuridão. Desejando em voz alta "nunca ter
nascido", George é levado por Clarence para
uma realidade paralela, uma em que George
nunca existiu, e onde Bedford Falls (agora
Pottersville) tem um aspeto muito diferente.
"A vida de cada homem toca tantas outras
vidas", diz Clarence, e esta é, em última
análise, a mensagem do filme.
Considerado como um filme otimista, talvez
possa também ser visto como um filme que
mostra o mundo como um copo meio vazio e não
meio cheio. Para Capra, George é um homem
que faz toda a diferença na vida das
pessoas; ele não é o Everyman que todos nós
somos ou poderíamos ser. Nesse sentido, o
filme pode ser um aviso de que não estamos
todos juntos nisto: algumas pessoas,
felizmente para os que as rodeiam, são
simplesmente menos egoístas do que outras.
Clássico acidental
A popularidade posterior do filme envolve outra reviravolta. Devido a um erro legal, o filme deixou de estar protegido por direitos de autor em 1974, o que permitiu a sua exibição na televisão sem custos de repetição. O lapso foi entretanto corrigido pelo estúdio, algo sobre o qual George poderia ter algumas coisas a dizer.
Frank Capra,
Realizador
No auge da sua
carreira, Frank Capra
foi o maior realizador
de Hollywood, liderando
a produção
cinematográfica aos anos
da Depressão com uma
série de comédias
vencedoras de Óscares.
Tendo-se mudado da
Sicília para Los Angeles
aos cinco anos de idade,
em 1903, estudou
Engenharia Química, mas
teve dificuldades em
encontrar trabalho.
Depois de tentar entrar
num estúdio de cinema em
São Francisco, conseguiu
trabalho em Hollywood,
realizando filmes mudos
com o magnata da comédia
Hal Roach. Graças aos
seus conhecimentos de
engenharia, Capra passou
sem esforço para a era
do som e, na década de
1930, tornou-se um homem
de sucesso. Depois de
fazer filmes de
propaganda na Segunda
Guerra Mundial, viu a
sua estrela começar a
desvanecer-se; o seu
filme mais conhecido,
It's A Wonderful Life,
não foi um êxito
comercial. Cada vez mais
desiludido com
Hollywood, começou a
fazer filmes educativos
sobre ciência na década
de 1950.
Morreu em 1991.