Falando de Cinema

Música no Coração, 1965

Atualmente, as projeções de The Sound of Music são muitas vezes anunciadas como "sing-alongs", em que o público que conhece todas as letras desfruta de uma sensação de nostalgia partilhada pelas canções. No entanto, por detrás da diversão há um filme importante.

A história de uma postulante desajustada, Maria (Julie Andrews), que abandona a sua abadia para se tornar governanta dos sete filhos indisciplinados de um viúvo severo, o Capitão Georg von Trapp (Christopher Plummer), desenrola-se no cenário bucólico e de caixa de chocolate dos Alpes austríacos. O bom humor e a inventividade musical de Maria conquistam as crianças e, gradualmente, o coração do capitão. Passado em 1938, e baseado numa história verídica, o filme continua a ter eco, talvez porque representa valores que quase se extinguiram num dos períodos mais negros da Europa.

Inocência vulnerável

A primeira metade do filme centra-se na aceitação de Maria na família von Trapp e no dilema que ela enfrenta quando o capitão começa a apaixonar-se por ela, apesar do seu noivado com uma socialite aristocrática, a Baronesa Schraeder (Eleanor Parker). Perturbada com a situação que criou, Maria foge de volta para a abadia, mas a abadessa encoraja-a a regressar à sua nova casa. Para alegria das crianças, o capitão casa-se com ela e o filme poderia ter terminado de forma feliz. Em vez disso, porém, continua num tom marcadamente diferente, com o foco a deslocar-se da situação doméstica da família para o seu lugar no mundo mais alargado. À medida que a ligação nazi da Áustria ameaça varrer tudo o que eles prezam, o seu destino fica ligado ao do país.

O perigo é representado de forma mais pungente por Rolfe (Daniel Truhitte), um rapaz local que está apaixonado pela filha mais velha dos von Trapp, Liesl (Charmian Carr). A chegada de Rolfe, um dia, com um uniforme nazi, choca tanto a família como o público e serve para demonstrar a forma como a juventude inocente pode ser corrompida e transformada para fins malignos. O capitão diz-lhe: "Eles não são teus donos", revelando o seu medo do que está a acontecer ao país e ao seu povo, e recordando a Rolfe que tem livre-arbítrio. Mas, mesmo assim, Rolfe trai a família.

The Sound of Music (Trailer)
Robert Wise, 1965

Canções de Consolo

Grande parte das canções em The Sound of Music é sobre encontrar alegria no quotidiano e no lugar-comum, mas em vários casos as canções são usadas para superar o medo ou para afastar o perigo. My Favorite Things é cantada quando Maria tenta acalmar as crianças durante uma tempestade violenta e, na peça final, quando a família atua no palco de um festival em Salzburgo, cantam para ganhar tempo enquanto o perigo se aproxima. Enquanto os oficiais nazis assistem na primeira fila, há soldados à espera nas alas para impedir a fuga da família e obrigar o Capitão von Trapp a cumprir o serviço militar no momento em que o espetáculo termina.

O otimismo avassalador do filme não deriva apenas do facto de as colinas estarem "vivas com o som da música" (nas palavras da canção titular), mas da sua mensagem de que a honestidade e a bondade são defesas contra o mal. Quando o Capitão von Trapp desperta o público do festival para cantar Edelweiss, uma terna canção sobre o faixo alpino que simboliza a Áustria, está a afirmar a sua lealdade a um país que foi anexado por uma potência estrangeira impiedosa e a defender tudo o que considera decente e bom. De certa forma, Maria e o capitão estão a proteger não só os seus filhos, mas todo um modo de vida, e a sua fuga final pelas montanhas transporta a esperança de que esse modo de vida sobreviverá.

Robert Wise, Realizador
Robert Wise tinha 19 anos quando conseguiu um emprego como editor de som e música na RKO Radio Pictures, e acabou por se tornar editor de Orson Welles em filmes como Citizen Kane. O primeiro trabalho de Wise como realizador foi em The Curse of the Cat People (1944), e continuou a realizar muitos filmes B notáveis, como The Day the Earth Stood Still (1951) e The Haunting (1963). Mais tarde, trabalhou em musicais, sendo os mais famosos West Side Story e The Sound of Music. Wise morreu aos 91 anos em 2005.