Falando de Cinema

O Charme Discreto da Burguesia, 1972

Luis Buñuel era um mestre da sátira social e do surrealismo, que já fazia filmes há quase meio século quando realizou O charme discreto da burguesia (Le charme discret de la bourgeoisie). Buñuel teve a ideia do filme a partir de uma anedota contada pelo seu produtor, Serge Silberman, sobre convidados que chegavam a sua casa para jantar e encontravam a sua mulher de roupão e sem comida, pois ele tinha-se esquecido de lhe dizer que os tinha convidado.

No filme anterior de Buñuel, O Anjo Exterminador (1962), os convidados de um jantar ficam ali abandonados durante semanas, sem poderem sair sem que eles ou nós saibamos porquê. Em O Discreto Charme da Burguesia, Buñuel faz uma variação cómica do tema, quando seis amigos abastados tentam jantar juntos, mas são continuamente frustrados por uma série de percalços brilhantemente desequilibrados.

No início, os problemas são mundanos: os anfitriões estavam simplesmente à espera que os convidados chegassem no dia seguinte. Mas, em breve, um cadáver aparece para perturbar os procedimentos. Depois disso, escapadelas sexuais extravagantes e a interrupção das manobras do exército são apenas alguns dos obstáculos. O filme torna-se cada vez mais surrealista, mas mostra os convidados a comportarem-se como se nada de estranho estivesse a acontecer.

Buñuel não está nem um pouco preocupado com o fluxo narrativo convencional. Entremeadas com os esforços frustrados dos convidados do jantar estão sequências de sonhos que surgem das suas cabeças e que por vezes se sobrepõem umas às outras, bem como esquetes envolvendo comida de adereço, flashbacks e, no centro de tudo, o embaixador da República latino-americana de Miranda (inteiramente fictício), que se vê envolvido numa bizarra conspiração terrorista.

Classe e convenção

O jantar é a ocasião em que a elite social se pode reunir para mostrar o seu gosto, o seu requinte e a sua riqueza material. Assume um lugar simbólico muito acima de qualquer outra coisa na vida destas pessoas. O snobismo e a superficialidade da festa são continuamente satirizados ao longo do filme, como, por exemplo, quando o bispo é expulso ao ser confundido com um mero jardineiro e, depois, é recebido com bajulação quando regressa com as suas vestes episcopais.

Mesmo quando o mundo se desmorona à sua volta e tudo começa a desmoronar, os seis amigos estão determinados a prosseguir com o seu jantar, e nenhum obstáculo, por mais absurdo que seja, os irá deter. Ao longo do filme, os seis são muitas vezes vistos a caminhar propositadamente por uma estrada aparentemente interminável através do campo, uma metáfora da sua obsessão vazia pelo estatuto. Buñuel ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro por este filme, e muitos realizadores reconhecem a sua influência. A sua mensagem sobre a auto-obsessão dos abastados é tão relevante como sempre, e a inventividade da visão lúdica de Buñuel continua a ser extremamente divertida.

Le charme discret de la bourgeoisie (Trailer)
Luis Buñuel, 1972

Luis Buñuel, Realizador.
Luis Buñuel ficou célebre pelos seus filmes surrealistas, sátira social mordaz e interesse pelo fanatismo religioso. Nasceu em Calanda, Espanha, em 1900, e estudou como jesuíta antes de conhecer o dramaturgo Federico Garcia Lorca e o pintor Salvador Dalí, com quem fez o seu primeiro filme, Un Chien Andalou, e um segundo, L'Age d'Or (1930). Buñuel mudou-se para os Estados Unidos durante a Guerra Civil Espanhola, depois para o México e finalmente para França em 1955. Morreu em 1983.