Falando de Cinema

The Godfather, 1972

O filme de Francis Ford Coppola, O Padrinho, mudou completamente o género dos filmes de gangsters, com a sua representação de membros de uma quadrilha a lidar com dilemas existenciais complexos, em vez de serem bandidos unidimensionais e de baixa moral. Anteriormente, todas as histórias de gangsters eram contadas do ponto de vista de alguém de fora, e os próprios gangsters raramente eram retratados de forma simpática.

O Padrinho foi também o primeiro filme a mostrar uma organização mafiosa a partir do seu interior. O seu vasto retrato da família Corleone e das suas dificuldades, adquire a grandeza e o alcance de uma antiga tragédia grega, em que a honra, o dever e a lealdade para com a família são vistos como as principais forças motivadoras das personagens, em vez de intenções criminosas.

O pano de fundo

O Padrinho baseia-se no romance homónimo do escritor italo-americano Mario Puzo, que foi publicado em 1969. No espaço de um ano, a Paramount Pictures encarregou Puzo de escrever o argumento.

Ele próprio um argumentista de sucesso, Coppola, que tinha sido contratado como realizador, tinha ideias firmes sobre a forma como o argumento deveria ser escrito, e ele e Puzo trabalharam em conjunto para completar o rascunho final. A perceção de Coppola foi a de que a essência da história, e o foco do filme, deveria ser a transição pessoal de Michael Corleone (Al Pacino) de jovem respeitável e cumpridor da lei e herói de guerra condecorado para eventual chefe de uma família criminosa, quando assume o lugar do Padrinho, Don Vito Corleone (Marlon Brando). Coppola também viu a história como uma metáfora do capitalismo americano de mercado livre. Os Corleones aspiram ao sonho americano e lutam para estabelecer o seu lugar no mundo. Poucos filmes se debruçaram tão claramente sobre as contradições morais envolvidas nesta busca.

The Godfather (Trailer)
Francis Ford Coppola, 1972

Justiça e lealdade

O filme começa com a celebração do casamento da filha de Don Corleone, Connie (Talia Shire), na qual o cangalheiro Bonasera, um associado da família, procura uma audiência privada com Don Corleone. Bonasera pede a ajuda do Padrinho para vingar o espancamento e a violação da sua filha por homens que escaparam à justiça por serem ricos e bem relacionados. "Eu acredito na América", diz Bonasera. "A América fez a minha fortuna. E criei a minha filha à maneira americana". Ele acreditou no sonho americano, mas a América traiu-o. Cabe então a Don Corleone a tarefa de fazer justiça a Bonasera e à sua filha fora da lei. Não é por acaso que o filme começa numa reunião de família. Os Corleones são apresentados como uma família que deve permanecer unida para sobreviver no mundo. A lealdade é tudo. Mais tarde no filme, Michael avisa o seu irmão Fredo: "Nunca mais tomes partido por ninguém contra a família. Nunca mais." Trocas domésticas como esta são fundamentais para este retrato da família Corleone. Há, de facto, muito mais cenas à volta da mesa de jantar do que tiroteios. Os homens descrevem o que fazem como negócios, que mantêm estritamente separados da família. "Isto é um negócio, não é pessoal", insistem. Vêem-se simplesmente como homens a fazer o seu trabalho.

Coppola tem o cuidado de evitar mostrar as vítimas dos empreendimentos criminosos da família – os toxicodependentes, as prostitutas e as famílias arruinadas. As únicas vítimas da brutalidade dos Corleones que o espectador vê são os membros de gangues rivais que representavam uma ameaça. E assim o espectador vê os Corleones como eles se vêem a si próprios, como uma família quase respeitável que luta para manter a supremacia num mundo perigoso, e não como um bando de bandidos. Têm um código de honra e quando Don Corleone finalmente morre enquanto brinca com o neto na sua horta, vemo-lo como a morte de um gigante, o triste fim de um titã. O efeito é reforçado pela exuberante banda sonora de Nino Rota, que confere ao filme um carácter heroico e trágico.

Mas outros defendem que o filme captou na perfeição um homem cansado do poder e das suas obrigações. Puzo disse a Brando que ele era "o único ator capaz de interpretar o Padrinho". Os executivos dos estúdios desconfiaram inicialmente da reputação perturbadora e da credibilidade de bilheteira do ator, mas este ganhou um Óscar de Melhor Ator pelo seu desempenho.

Apesar de Brando dar a cara pelo filme, é o Michael de Al Pacino que conduz a história. No início, ele é um licenciado, noivo de uma bela rapariga não italiana, Kay, interpretada por Diane Keaton. Parece ter todas as esperanças de viver uma vida livre de crimes, de realizar o sonho americano. Pacino, na altura um ator pouco conhecido, foi nomeado para um Óscar de ator coadjuvante. 

O destino da família

Michael é atraído inexoravelmente para o mundo dos gangsters da família Corleone, acabando por se comprometer junto à cama de hospital do pai: "Agora vou tomar conta de ti. Agora estou contigo. Estou contigo". Quando o seu irmão Sonny (James Caan) é morto a tiro, Michael torna-se o novo herdeiro aparente. A sua descida de uma esperança brilhante é a tragédia central do filme, mas compreendemos o quão fortemente ele sente que não tem escolha. Don Corleone queria que Michael se tornasse senador ou governador, mas o filme dá a entender que essa respeitabilidade estará sempre fora do alcance da família. Podem ter senadores nos bolsos, mas, em público, os senadores evitá-los-ão sempre.

A sequela

O Padrinho: Parte II regressa à família Corleone depois de Michael ter assumido o controlo. Embora possa ter estado relutante em assumir o lugar do pai, Michael depressa perde a sua moralidade e as aspirações respeitáveis da família. Ao contrário do pai, Michael já não tem laços com a Sicília, o "velho país", e o seu código de honra, ainda que distorcido e violento. Também não tem a mesma crença no Novo Mundo. Torna-se, no final, mais brutal do que o velho Don Corleone.

Francis Ford Coppola, Realizador.
Coppola nasceu em 1939 no seio de uma família de Detroit de ascendência italiana. O seu pai, Carmine, era um compositor que viria a trabalhar nas partituras de O Padrinho: Parte II e Apocalypse Now. Aos vinte e poucos anos, Francis inscreveu-se na escola de cinema da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), e rapidamente começou a escrever argumentos para Hollywood. Começou a fazer filmes durante o movimento da Nova Hollywood, também conhecido como a Nova Vaga Americana, que tinha como objetivo abordar novos temas utilizando estilos diferentes. The Godfather, um dos filmes de maior bilheteira da história, foi o primeiro grande filme que realizou e cimentou a sua reputação com uma série de êxitos ao longo da década de 1970. Considerado um dos cineastas mais enérgicos, se bem que errático, dos Estados Unidos, os seus filmes posteriores não conseguiram igualar os seus primeiros êxitos.