Falando de Cinema
Chinatown, 1974
O filme Chinatown, de Roman Polanski, é um thriller arrebatador com uma picada verdadeiramente desagradável. Jack Nicholson interpreta o detetive privado Jake Gittes, que investiga uma conspiração em torno do abastecimento de água de Los Angeles na década de 1930. No decurso da sua investigação, descobre uma perturbadora tragédia pessoal ao envolver-se com a mulher do engenheiro-chefe da água, Evelyn Mulwray, interpretada por Faye Dunaway.
Um guião poderoso
A chave para o
poder do filme é o argumento de Robert
Towne, vencedor de um Óscar, que é
amplamente considerado como um dos melhores
argumentos alguma vez escritos para
Hollywood. Foi parcialmente inspirado na
história verídica de William Mulholland,
engenheiro-chefe do Departamento de Águas de
Los Angeles, que, a 12 de março de 1928,
declarou que a barragem de St. Francis era
segura, poucas horas antes de esta falhar de
forma catastrófica, com as cheias que daí
resultaram a matarem pelo menos 600 pessoas.
No argumento de Towne, Mulholland torna-se
Hollis Mulwray e a história transforma-se
num conto de ficção sobre a manipulação
corrupta do abastecimento de água de Los
Angeles para obter lucros. Towne escreveu o
guião com Jack Nicholson em mente para a
personagem de Gittes, o detetive privado que
se envolve involuntariamente nos negócios
obscuros dos associados de Mulwray. Diz-se
que Nicholson foi o responsável pela
contratação de Polanski, conhecido pelos
thrillers psicológicos Repulsa (1965)
e O Bebé de Rosemary (1968). Na
altura, Polanski encontrava-se na Europa,
tendo deixado os EUA após o assassinato da
sua mulher em 1969. Foi tentado a regressar
pela força do guião de Towne, embora
Polanski e Towne tivessem muitas
divergências quanto à versão final.
Houve dois elementos em particular que
Polanski alterou. O primeiro foi o final
trágico e perturbador. O segundo foi a
decisão de não usar a narração em voz-off
que tantos film-noir tinham usado no
passado. Polanski insistiu em deixar o
público descobrir cada nova reviravolta à
medida que Jake Gittes o fazia. O efeito
disto é que tanto Jake como o público ficam
muito mais às escuras e muito mais inquietos
com cada nova revelação.
Chinatown (Trailer)
Roman Polanski, 1974
Detetive incompetente
A tentativa
desesperada de Gittes de dar sentido a tudo
faz dele um detetive privado diferente do
Philip Marlowe de Humphrey Bogart, uma
geração antes, em filmes de detectives duros
como O Falcão Maltês. O público sabe
que Marlowe vai triunfar no final, mas
torna-se evidente que Gittes vai fazer
asneiras uma e outra vez, ao tirar
conclusões erradas. No início do filme, por
exemplo, é encarregue pela mulher de Hollis
Mulwray de provar o adultério do marido.
Muito rapidamente, Gittes entrega-lhe as
fotografias aparentemente incriminatórias –
mas engana-se duas vezes. Primeiro, a mulher
que o contratou não é a esposa de Mulwray,
mas uma impostora. Em segundo lugar, a jovem
que ele fotografa com Mulwray não é de todo
a sua amante, como ele, e nós, o público,
descobriremos muito mais tarde. Mais tarde
no filme, Gittes assume erradamente que a
verdadeira Evelyn Mulwray assassinou o
marido.
Um público familiarizado com
os papéis das mulheres fatais nos film
noir anteriores assumiria naturalmente o
mesmo. Mas a Sra. Mulwray é a verdadeira
vítima, e a verdade é tão perturbadora que
Gittes mal a consegue assimilar. O
verdadeiro vilão da peça, ao que parece, é o
aparentemente urbano velho Noah Cross, pai
de Evelyn. Ele é o homem rico cuja
determinação em usar o abastecimento de água
da cidade em proveito próprio leva ao
assassínio do seu antigo parceiro de
negócios, o marido de Evelyn, Hollis Mulwray
Reviravolta inesperada
Controlar os homens
As suas investigações conduzem a uma das
cenas mais desagradáveis e memoráveis de
Chinatown. Gittes tem o nariz cortado
por um bandido, interpretado pelo próprio
Polanski: "Sabes o que acontece aos
intrometidos? Não? Não? Queres adivinhar?
Não? Não? Está bem. Eles perdem o nariz". É
uma espécie de castração, e a determinação
obstinada de Gittes em resolver o mistério
reflete a sua necessidade de recuperar o
controlo.
O problema para
Gittes é que está a viver, metaforicamente,
em Chinatown, um lugar que lhe traz
más recordações, que remontam ao tempo que
passou na polícia. No entanto, é o próprio
Gittes que acaba por escolher Chinatown,
um mundo onde vale tudo, para o desenlace
trágico do filme. Não vale a pena tentar
fazer o que está certo, diz-lhe o seu antigo
colega da polícia na última frase do filme:
"Esquece, Jake. É
Chinatown..."
Roman
Polanski,
Realizador
Nascido em
Paris em 1933, filho de
pais polacos, Roman
Polanski cresceu na
Polónia. Durante a
Segunda Guerra Mundial,
os seus pais foram
enviados para um campo
de concentração, onde a
sua mãe morreu, mas
Roman sobreviveu
escondendo-se no campo.
Depois da guerra, foi
para a escola de cinema.
A sua primeira
longa-metragem, Knife
in the Water (1962),
foi aclamada
internacionalmente, e
mudou-se para o Reino
Unido para fazer filmes
como o arrepiante
Repulsion. Em 1968,
conheceu a atriz Sharon
Tate e mudou-se para os
EUA, onde realizou o
filme de terror O
Bebé de Rosemary. No
ano seguinte, Tate foi
assassinada pelos
assassinos em série
conhecidos como
seguidores ou família
Manson. Polanski deixou
os EUA, mas foi
convidado a regressar
para realizar
Chinatown. Alguns
anos mais tarde, foi
condenado por agressão
sexual a uma menor e
retirou-se para França, onde
continua a realizar.