Falando de Cinema

ANJOS E MONSTROS, 1975-1991

Depois das grandes convulsões dos anos 60, os anos 70 assistiram a um tipo diferente de revolução. Apesar de todos os abalos nas suas fundações, parecia que os grandes estúdios de Hollywood ainda estavam de pé, mas agora um novo tipo de filme entrava em cena.

O realizador Steven Spielberg era, tal como muitos dos seus pares, um jovem e literato de cinema. Mas, no fundo, era também um homem do espetáculo à moda antiga. Na tradição clássica de Hollywood de acidentes felizes e triunfos improváveis, a produção de Tubarão foi amaldiçoada por um grande tubarão branco devorador de homens que Spielberg considerava tão ridiculamente irrealista que mal conseguia colocá-lo no ecrã. E, no entanto, tornou-se o êxito que mudou o cinema, instalando um novo tipo de êxito de bilheteira no topo da cadeia alimentar.

Dois anos mais tarde, quando a Guerra das Estrelas de George Lucas surgiu para capturar a imaginação de uma geração, o negócio do cinema transformou-se ainda mais. Entrar no mundo dos Wookies e dos Jedi tornar-se-ia um rito de passagem para cada nova geração de cinéfilos, mas o sucesso de Lucas também significou que, em breve, para Hollywood, já não existiam filmes – apenas franchises em espera.

E, no entanto, esta foi também uma altura em que algumas das melhores mentes do cinema fizeram os seus filmes mais audaciosos e duradouros. Nos Estados Unidos da América, depois do retrato definitivo de Chinatown sobre os bastidores obscuros de Los Angeles, as atenções viraram-se para Nova Iorque, de forma brilhante e implacável. Em meados dos anos 70, Martin Scorsese já se tinha anunciado como um talento gigante – mas Taxi Driver (com Robert De Niro no papel do taxista e ex-fuzileiro Travis Buckle) seria a primeira das obras-primas de Scorsese, um retrato atordoado da paranoia e da decadência urbana que se tornou uma cápsula do tempo instantânea.

Alvy Singer foi o herói e narrador neurótico de outra história consumada de Nova Iorque: a comédia romântica de Woody Allen, Annie Hall. Nos anos seguintes, foi raro o filme que não estivesse em dívida para com uma dessas personagens e os seus criadores.

Para além de Hollywood

Fora dos EUA, a ambiguidade latejava no coração de filmes que, uma vez vistos, seriam impossíveis de ignorar. Na Austrália, no mesmo ano em que o tubarão de Spielberg entusiasmou o público em Jaws, o realizador Peter Weir fez Picnic at Hanging Rock, uma história que inspirava igual pavor com o seu relato de raparigas desaparecidas no longínquo ano de 1900. Entretanto, numa zona industrial da Estónia, o grande realizador russo Andrei Tarkovsky estava a fazer Stalker, que se situa entre a ficção científica e a filosofia. Estes são filmes que permanecem, mesmo agora, gloriosamente insondáveis.

Nova década, novas vozes

Na década de 1980, os comerciantes de Wall Street e os filmes mainstream pareciam mais escorregadios do que nunca, mas, nas bordas, os realizadores continuavam a investigar o que estava por baixo. Talvez nada o resuma melhor do que o facto de David Cronenberg – cujas famosas cenas de "body horror" eram menos perturbadoras do que as psiques das suas personagens – ter tido a oportunidade de realizar o marco do cinema, Top Gun (1986). E depois havia David Lynch – que, tal como Hitchcock antes dele, era suficientemente único para existir como um género próprio, com os seus filmes movidos pelo subconsciente, e pelo menos tão surreais, engraçados e perturbadores como os sonhos reais podem ser.

No final da década de 1980, outras vozes estavam a falar mais alto. Os filmes independentes estavam em ascensão, desde Spike Lee, que acompanhava as tensões raciais em Brooklyn, a Steven Soderbergh, que se debruçava sobre a sexualidade e as relações. Da China, Raise the Red Lantern, de Zhang Yimou, era simultaneamente um magnífico drama de época e um sinal de um futuro global.

Entretanto, o cinema sobreviveu a outro ataque à sua própria existência: tal como a televisão o tinha deixado para trás nas décadas anteriores, o mesmo aconteceu com a ascensão do vídeo doméstico nos anos 1980. Na batalha entre o VHS e o cinema, só houve um vencedor: os novos formatos vão e vêm, mas os filmes perduram.