Falando de Cinema

Taxi Driver, 1976

Estamos em 1976 e há cerca de 7,8 milhões de pessoas a viver em Nova Iorque. Travis Bickle (Robert De Niro) observa-as a todas através das janelas imundas do seu táxi – para onde quer que olhe, de Times Square a East 13th Street, passando por Park Avenue South, há pessoas, mas para Travis mais valem personagens de um filme. Ele é um forasteiro, alienado e zangado, que vê o mundo a partir do interior de um carro. Este é o taxista do filme de Martin Scorsese, que vagueia pela cidade num sonho febril e húmido.

Chuva purificadora

Taxi Driver é um filme sujo, não da mesma forma que os filmes pornográficos que Travis gosta de ver nos cinemas degradados da Rua 42, mas na sua representação da cidade suja. Scorsese rodou o filme na vaga de calor do verão de 1975, durante uma greve de recolha de lixo que deixou Manhattan cheia de lixo a apodrecer. "Graças a Deus, a chuva lavou o lixo do passeio", diz Travis. "Um dia, uma chuva a sério virá e lavará toda esta escória das ruas."

No mundo de Travis, as únicas coisas limpas são a sua consciência e a sua carta de condução. Para ele, tudo o resto é nojento, incluindo os seus companheiros nova-iorquinos. Considera-os degenerados, criticando a prostituição, a homossexualidade e o consumo de drogas. Quando Travis fala de uma chuva purificadora, está a falar de forma bíblica, apocalíptica. Mas ele não é um fanático religioso – ele apenas tem um objetivo. O seu Deus existe apenas para lhe dar a ordem de matar, tal como fez o seu comandante quando Travis serviu como fuzileiro na guerra do Vietname.

Taxi Driver (Trailer)
Martin Scorsese, 1976

Alma perdida

Travis está perdido em muitos aspetos: lutou do lado dos vencidos na guerra do Sudeste Asiático e agora perdeu a fé no país pelo qual lutava. Até a capacidade de dormir o abandonou. Mais importante ainda, perdeu o rumo da sua vida. "Tudo o que a minha vida precisava era de uma sensação de um sítio para onde ir", murmura na sua narração meio acordada, meio a sonhar, enquanto desliza interminavelmente pela noite no seu táxi, levando outros para os seus destinos. Os olhos de Travis são vislumbrados no ecrã pelo espelho retrovisor, como se o público fosse os seus passageiros - mas, tal como ele, não fazem ideia para onde vão.

Viagem pelo inferno

Desde os momentos iniciais de Taxi Driver, Scorsese convida o espectador a entrar na mente atormentada deste anti-herói, sugerindo a instabilidade da sua personagem através de imagens e ângulos de câmara caoticamente dispostos.

A primeira imagem do filme é uma nuvem de vapor que sai dos esgotos, tingida por uma luz de néon vermelha. Parece enxofre a sair do inferno, e o táxi de Travis aparece de repente no meio dela, como se estivesse numa viagem pelo submundo. O carro rola pelo ecrã, lentamente, como se estivesse a parar e a pedir ao público para entrar. Na banda sonora, a música incha e estala. É um momento de pavor que diz ao público – como passageiro – exatamente para onde se dirige.

"Estás num inferno", diz Travis a Betsy (Cybill Shepherd), uma voluntária da campanha por quem se apaixonou, "e vais morrer num inferno, tal como os outros!" O inferno é o que ele vê quando olha à sua volta, e quer salvá-la das chamas. Ela é uma ativista que faz campanha pela "política limpa" e, à sua maneira, tal como Travis, está a rezar pela chuva. É um sentimento que tocou o público na altura. Quando o filme foi lançado em 1976, o escândalo de Watergate, em que o Presidente Nixon foi desmascarado como mentiroso e destituído do cargo, ainda estava fresco na memória nacional. Muitos americanos tinham perdido a fé nos políticos e sentiam-se sem liderança.

Encontrar uma causa

Betsy, uma jovem loira bonita e segura de si, rejeita Travis depois de ele a levar a ver um filme pornográfico no primeiro encontro. Travis reage mal, enviando-lhe cartas e assediando-a no trabalho, mas depois volta a sua atenção para outra causa: uma prostituta de 12 anos chamada Iris (Jodie Foster), que é tão confiante como Betsy – e igualmente desinteressada em ser salva por Travis. Mas Travis não lhe dá qualquer escolha.

Travis depara-se com um assalto a uma loja e mata o ladrão a tiro. O dono da loja protege Travis, aconselhando-o a abandonar o local porque não tem licença de porte de arma. Travis vê que este assassinato, o seu primeiro ato de "limpeza", é recebido com gratidão. Agora veste o equipamento de combate, rapa a cabeça como um moicano e parte para se vingar do chulo de Iris, Sport (Harvey Keitel), no que acaba por ser um horrível banho de sangue. Dentro da cabeça de Travis, a tempestade rebenta – a verdadeira chuva chegou finalmente.

Mundo de pesadelo

A cinematografia da fúria de Travis é alucinogénica nas suas cores contrastantes e ângulos enervantes, como se o filme estivesse agora a descer completamente à irrealidade. Tal como o plano de abertura do vapor, com o táxi a emergir através dele, e a narração murmurada de Travis, o clímax do filme parece ter lugar num mundo de pesadelo. Scorsese tem falado frequentemente de filmes que existem na intersecção dos sonhos e da realidade, e é para aí que ele leva o público.

Uma coda sonhadora do massacre, em que Travis sobrevive e se torna um herói dos tablóides, foi interpretada como a sua fantasia de morte. Quer seja real ou imaginário, é o momento tão desejado de Travis na ribalta. O argumentista Paul Schrader considera que o final leva o público de volta ao início e, assim, Travis vai-se embora, mas nem ele nem o mundo estão curados.

Martin Scorsese, Realizador.
"Toda a minha vida tem sido filmes e religião", disse uma vez Martin Scorsese. "É só isso. Nada mais." Nasceu católico em Queens, Nova Iorque, em 1942, e os filmes tornaram-se para ele uma religião em si, uma forma de arte a venerar e a valorizar. Scorsese estudou cinema na Universidade de Nova Iorque. Realizou a sua primeira longa-metragem, I Call First, em 1967. Desde então, a sua produção tem sido diversificada, desde thrillers urbanos a grandes dramas históricos, prestando homenagem a clássicos do cinema. A religião está presente na maioria dos seus filmes, nomeadamente em A Última Tentação de Cristo (1988) e Kundun (1997). Ele também tem outra grande paixão: A cidade de Nova Iorque, tema de grande parte da sua obra, desde o seu primeiro grande êxito, Mean Streets, até Gangs of New York
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