Falando de Cinema
Mulheres à beira de um ataque de nervos, 1988
Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al borde de un ataque de nervios) é a história de Pepa (Carmen Maura), uma atriz espanhola que “dobra” as vozes de filmes americanos com o seu namorado infiel, Iván (Fernando Guillén). A sua relação nem é tanto uma história de amor. É mais uma farsa romântica.
Ataque de pânico
Talvez seja
apropriado que o significado do título do
filme se perca na tradução. Os ataques de
nervos do título espanhol referem-se a um
ataque de pânico, um estado de falta de ar
que o realizador Pedro Almodóvar mantém a um
ritmo louco, inspirado nas comédias de
Hollywood dos anos 1940. O filme olha para o
passado, mas a sua comédia é também
emocionantemente contemporânea. Madrid,
pós-Franco é o cenário perfeito para a sua
farsa maníaca, com Almódovar a criar
subtramas envolvendo terroristas árabes,
taxistas loucos por dança e sopa com
comprimidos para dormir. No entanto, o
material turbulento é atravessado pelo
sentido de humanidade que é a marca
registada do realizador.
Almodóvar,
anarquista e funcionário da companhia
telefónica há dez anos, concebe uma variação
desinibida dos velhos filmes de "salve-se
quem puder". Uma vez que já chocou toda a
gente com "A Lei do Desejo" e "Matador", o
cineasta volta-se para uma comédia de maus
modos – os homens, os porcos – passada entre
a burguesia posterior à ditadura de Franco
Mujeres al borde de un ataque de nervios (trailer)
Pedro Almodóvar, 1988
A musa de longa data
Carmen Maura, a
musa de longa data de Almodóvar, interpreta
a heroína Pepa, uma atriz de telenovelas e
dobradora de filmes, que foi abandonada e
engravidou de Iván (Fernando Guillén), o seu
amante de muitos anos. De todas as desgraças
que podem acontecer a uma mulher – maus
cortes de cabelo ou unhas partidas – não há
nada pior do que ter a aorta pisada por um
homem. E Iván, que faz a linha certa para
cada mulher, já a pisou muitas vezes. Num
período vertiginoso de 24 horas, Pepa
descobre finalmente a verdade sobre ele, que
este homem que ela estava a tentar tão
desesperadamente reconquistar não é digno
dela – ou, aliás, de quase nenhuma mulher,
exceto a vilã, uma feminista que é
desmascarada juntamente com o movimento que
representa. O feminismo não ajuda em nada
quando se trata de homens.
A Pepa
prefere Valium. De facto, a sua
receita de gaspacho é um quilo de tomates
maduros, um dente de alho e três dúzias de
tranquilizantes. Ela está prestes a bebê-lo
quando a cama, a cama deles, de repente se
incendeia. Bem, Pepa nunca chega a
suicidar-se, desviada como está por uma
série de visitantes da sua penthouse
com terraço. De facto, a sua amiga Candela
(Maria Barranco) tenta atirar-se da varanda
só para chamar a atenção de Pepa. Candela
teve, sem saber, um caso com um terrorista
xiita e está a fugir da polícia.
"Os
homens estão sempre a aproveitar-se de mim",
diz ela. "Vejam como o mundo árabe me
tratou... Não gostaria de estar com um homem
neste momento". A ingénua Candela, que se
cura rapidamente, logo se aconchega com o
filho de Iván, Carlos (Antonio Banderas),
que veio ver a penthouse que Pepa
colocou para alugar. Entretanto, a sua
noiva, comeu o gaspacho e está
convenientemente a dormir. A polícia, um
reparador de telefones, a louca mãe de
Carlos, Lucia (Julieta Serrano), que Iván
deixou 20 anos antes, todos convergem para a
casa de Pepa. Mas Pepa continua a entrar e a
sair, continua a mudar de sapatilhas para
sapatos, de sapatos para sapatilhas.
Entender os homens
Almodóvar
compreende o poder sexual inerente a um par
de saltos altos, e Pepa não iria descalça
para a guerra entre sexos. Ela pode estar a
hesitar, mas tem o bom senso de ir vestida
para matar. Maura é um arrasadora de olhos
escuros, uma comediante ferozmente
impassível com o bom aspeto de uma Jeanne
Moreau.
Quando os polícias chegam ao
apartamento de Pepa, Candela, temendo ser
presa, começa a chorar nos braços de Carlos.
"Estávamos apenas a discutir o vestido da
senhora", diz ele. "É horrível", diz
Candela, a soluçar abertamente. Há a noiva
frágil de Carlos (Rossy De Palma), uma
exótica bela adormecida na varanda que sonha
que perde a virgindade. "As virgens são
horríveis, não são?", diz Pepa à rapariga
agora satisfeita.
Almodóvar pretende
ser um homem sensível; isso está patente no
afeto que sente pelas suas heroínas, na sua
paixão por interiores de pele falsa e em
frases como "É mais fácil aprender mecânica
do que psicologia masculina. Pode-se
conhecer uma mota de cima a baixo. Mas um
homem, nunca". Também é importante lembrar
que se trata de um rapaz sensível da
Espanha, o local preferido de Hemingway para
passar o fim de semana.
Esta é uma
comédia diabólica cheia de espinhos e dor e
com os brilhantes na capa rosa de um
"toureiro matador". A farsa vacila de vez em quando, o
ritmo é imperfeito, mas quem pode resistir a
esta "Twilight Zone" de coincidências sem
limites, onde avós bondosas dão as notícias
da noite e a mãe de um assassino famoso
apoia detergentes?
Pedro Almodóvar,
Realizador.
Cineasta
espanhol, Pedro
Almodóvar Caballero
nasceu em 1949, em
Calzada de Calatrava.
Nos seus filmes, os
códigos cinematográficos
fundem-se,
relativizando-se e
autodenunciando
parodicamente as suas
convenções sem, porém,
deixarem de se cumprir.
Daqui resultam objetos
capazes de suscitar
algum desconforto ao
espectador. Trata-se, no
fundo, de unir o trágico
e o cómico, o sexo e a
morte para desmascarar
as pulsões humanas
fundamentais. A paródia
e o riso subsequente são
apenas mecanismos desse
desmascaramento que
parte de personagens em
crise de identidade em
face da sobreposição de
imagens que nelas se
opera. São geralmente
personagens relacionadas
com a televisão, o
cinema, o teatro ou a
literatura, vestidas e
rodeadas por cores
explosivas que sublinham
a risibilidade trágica
da sua solidão
radicalmente incapaz de
fazer coincidir o prazer
e o desejo, em filmes
como La Ley Del Deseo
(A Lei do Desejo, 1987),
ou Mujeres Al Borde
de un Ataque de Nervios
(Mulheres à Beira de Um
Ataque de Nervos, 1988).
Em 1988, Pedro Almodóvar
foi reconhecido como
jovem revelação pela
Academia Europeia de
Cinema em Berlim. Onze
anos depois, o seu filme
Todo Sobre Mi Madre
(Tudo Sobre a Minha Mãe,
1999), foi distinguido
pela Academia de
Hollywood com o Óscar de
Melhor Filme
Estrangeiro. Almodóvar
receberia novo Óscar em
2003, desta vez para o
Melhor Argumento
Original, por Hable
con Ella (Fala com
Ela, 2002).